AMIZADE RESILIENTE: Julie eternizou no braço amizade com Lucas, tirado dela aos 27 anos
16 de janeiro de 2022Amiga desde 8 anos, viu amigo padecer para doença que atingirá 28,4 milhões de pessoas até 2040
Por TERO QUEIROZ – 16/01/22 às 06H15 atualizado em 16/01/22 às 03H37
Julie Kethlyn da Cruz Santos, de 28 anos, fez uma tatuagem para celebrar os 20 anos de amizade com Lucas Maidana, que morreu precocemente aos 27 anos, em 21 de julho de 2021, vítima de câncer. Apesar de terem passado a vida juntos, Julie não pôde se despedir de Lucas no hospital, pois, testou positivo para Covid-19, quando o amigo teve os aparelhos desligados. (Entenda abaixo).
A primeira vez que Julie e Lucas se viram foi na sala de aula na quarta série, na Escola Olinda Conceição Teixeira Bacha, no Núcleo Habitacional Buriti, em Campo Grande (MS). Eles, porém, não imaginavam que ali nasceria uma amizade que seria intensa até o fim da vida de Lucas.
Quando crianças, Julie se dirigia a Lucas o chamando de “Gordão”. “E ele me chamava de negra, preta, neguinha, picolé de piche, na época não era bullying e ele não se importava nenhum pouco com este apelido”, recordou.
Eles estudaram na mesma classe no quarto e quinto ano do ensino fundamental. “Neste período frequentamos a mesma igreja, a casa um do outro, em todos os lugares que o Lucas estava eu poderia ir, teve um passeio de escola que ele não quis ir e acabou que meus pais também não deixaram eu ir (risos) fiquei brava com ele, mas logo passou!”, ponderou.
Destacando o gene próprio fortes, por serem do signo de Libra, Julie explicou que muitas vezes a amizade esbarrou em brigas. “O tal libriano não é fácil! A mãe dele dizia que éramos gêmeos de barriga de mãe e pais diferentes. Eu nasci dia 03 de setembro e ele 29 de setembro. Mudei de bairro e escola durante a sexta e sétima série, mas eu e meu irmão sempre voltava para visitar, afinal era perto da casa da nossa mãe também”, detalhou.
IGREJA E A ARTEJulie, Lucas e amigos cantam na igreja. Foto: Arquivo pessoal
Na igreja, agora o principal ponto de encontro dos jovens amigos, eles desenvolviam atividades artísticas diversas. “Cantávamos, dançamos, até teatro fazíamos… e ele sempre levava vários amigos para a igreja”, pontuou Julie.
Foi também na igreja, que Julie diz ter tido contato com um estilo de dança em específico, o break. “Lembro de quando ele começou a dançar break dance. Ele mostrava as fotos e eu achava aquilo incrível! Logo voltamos a morar perto, mas acabei não saindo na sala dele no nono ano. Mas íamos na mesma igreja, e adivinha? Comecei a fazer break com ele, logo ele cansou, claro! Ele sempre preferiu os jogos online e eu continuei por um longo tempo”, destacou.
Julie explicou à reportagem que naquela época ela já havia feito dança do ventre na escola, street dance. “Mas quando vi o break foi o primeiro que eu investi tempo e dinheiro. (risos) Competia, até. Treinava todos os dias!”, disse. Ao ser perguntada quantos campeonatos de street dance teria saído vitoriosa, Julie diz que foram 2 títulos. Apesar disso, Lucas sempre aproveitava o momento para arrancar risos da amiga. “E ele me zuava falando que eu fiquei em segundo e que só tinha duas [disputando]”.
RETORNO PARA A MESMA TURMA
Quando ingressaram no ensino médio, na adolescência, Lucas e Julie conseguiram retornar para a escola onde tudo começou. Lá, o ensino médio era noturno e ambos conseguiram mudar e estudar naquele ano juntos.
Apesar da felicidade do reencontro, Julie recordou que o ano letivo, porém, não teve êxito. “Neste mesmo ano tivemos a honra de não deixar nenhum para trás (risos) reprovamos juntos! Porque a vida virou uma grande farra (segue rindo)”, opinou.
De acordo com Julie, a amizade cresceu de tal maneira que a mãe de Lucas se apresentava como responsável pelo filho e pela amiga. “A tia Amandinha (mãe do Lucas) muito conhecida, sempre foi responder por nós dois na escola. Ele sempre foi muito inteligente, eu tinha que estudar muito mais que ele e, ele só prestava atenção na aula uma única vez e saia bem quando queria, né!”, ressaltou.
Julie disse apostar que todos (os colegas) se lembram da época de ensino médio e de Lucas. “Temos muitas lembranças dessa escola, aposto que ninguém de lá se esqueceu de nós, terminamos o ensino médio nela”, completou.
FUTURO E A TATUAGEM
Até mesmo o cursinho para o vestibular os amigos fizeram juntos. “Entrei na faculdade primeiro, fiz Ed. Física, e ele sempre disse que virei professora para pagar meus pecados de aluna, e ele não estava errado! Paguei todos (risos). Depois ele também entrou para a faculdade, para Engenharia, mas não concluiu”.
Julie analisou que a vida sempre uniu Lucas a ela de alguma maneira. “(sic) Quando a barra apertava ele sempre contava comigo e eu com ele. Por exemplo, quando parava em blitz, quando sofria acidentes (ele quase perdeu a perna em um dos acidentes, passei alguns dias no hospital com ele), quando a decepção amorosa vinha, quando precisava de favores, entre tantas outras coisas”, apontou.
Ela disse ao MS Notícias que Lucas sempre falou que não tinha vontade de fazer tatuagens, o oposto dela, que já cresceu falando que faria várias e sempre tentou o encorajar. “Aposto que se ele tivesse mais tempo ele faria! Pois ele me mostrou um desenho do One Piece, um desenho que assistíamos juntos, que ele me apresentou, e eu disse que queria fazer algo sobre nossa amizade, pois, já iríamos comemorar 20 anos de amizade! E como mudamos! Crescemos! Sempre tínhamos assunto, e ele era o meu atualizador de memes, passávamos horas assistindo coisas engraçadas”, descreveu.
A amizade entre Lucas e Julie era ancorada na confiança. “(sic) Tínhamos muita conexão sobre tudo. E liberdade para falar um para o outro o que realmente tinha que ser ouvido. E como o amigo homem ele sempre me dizia: ó, se fulano fez isso ele não ta tão na sua (risos) e vice versa; olha, essa menina quer só lhe usar (mais risadas)”.
DOENÇA
Conforme a amiga, a repentina doença que acometeu Lucas, causou nele inicialmente dores que o levaram a procurar um médico. “Foi ao médico e tudo mais e o médico não disse que tinha um câncer de próstata. Apenas disse que havia um caroço e tinha que retirar. Meu amigo libriano é [*era] muito tranquilo e precisou de um apertão da tia Amandinha para voltar ao médico, depois de um ano que as dores começaram a voltar”, comentou.
A essa altura, Julie já estava graduada em Ed. Física e se tornou especialista em dança e expressão corporal, por isso, em meio ao anúncio da nova piora do amigo, ela estava atribulada com questões de uma live da Cia Luminis Escola de Dança, local onde ela era participante. “Já tinha arrumado várias coisas e só faltava buscar a câmera e o vídeo maker, para voltarmos e gravar, mas antes disso ele [Lucas] me enviou mensagem, dizendo que descobriu que aquele caroço era um câncer que teria que fazer a cirurgia e começar químio. Eu simplesmente desabei”, reviveu.
Julie diz ter dado apoio ao amigo, mas devido a sua ansiedade ela explicou que pensava em mil coisas ligadas a questão de ele estar com câncer. “Por fim ele fez o tratamento, consegui ajudar ele inúmeras vezes, alguns outros amigos dele também ajudavam, levando”.
A metástase de Lucas, porém, havia acontecido, e apesar da quimioterapia, dois nódulos não saíram do pulmão. “Nestes dias eu e mais um grupo de amigos estávamos muito mais próximos do nunca, e era fácil, pois, a pouco eu me mudei para uma casa que ficava na mesma rua, e hoje eu canto lembrando dele “menino lindo quero morar na sua rua, você deixou saudades, você deixou saudades quero te ver outra vez” …CBJr, ele gostava dessa!”, cantarolou Julie, que nos últimos anos também passou a dedicar-se a música. As iniciais “CBJr” que ela destaca, se refere ao cantor de banda de rock Charlie Brown Jr.
TRATAMENTO
A amizade de quase duas décadas de Julie e Lucas precisou mais uma vez ser resistente. Para sobreviver a doença ele se encorajou em fazer outro procedimento cirúrgico para retirada dos nódulos. “Ele assistiu vídeos, ficou mais confiante e falou vamos fazer nessa semana, na quarta-feira. Vamos! Quarta eu consigo te levar! Isso era algum sábado do mês de julho, ele me disse que estava com sinusite uma dorzinha de cabeça, mas que queria beber, comemorar, para na semana [seguinte] fazer a cirurgia”, relatou.
Eles, então, foram ao mercado e compraram tudo e comemoram o final de semana inteiro.
Dois dias depois, na terça-feira, Lucas começou a sentir fortes dores que chegaram a provocar vômitos nele em frente ao hospital. “A visão dele estava ruim, ele falou que parecia que ele não sabia mais ler, pois tudo misturava. Neste dia já queriam internar”, explicou a amiga.
A situação piorou, pois, a equipe médica achou o câncer, agora no cérebro, isso estaria afetando a visão de Lucas. Diante disso, Julie se lembra do pedido do amigo.Esse é Dark, juntamente com Lucas. Foto: Arquivo pessoal
“Ele quis voltar para casa. Eu cheguei lá para conversar e tentar fazer ele ficar, mas eu entendi que ele precisava ir para casa, ver o cachorro dele, que era o xodó dos xodós dele. Voltamos e pedimos a comida favorita dele, sushi. Neste dia fiquei até às 05h da manhã com ele e mais um amigo. No outro dia ele foi para o hospital, mas logo testei positivo para a covid e quando poderia ser feita visita ainda eu não pude ir vê-lo”, justificou.
DESPEDIDA
Poucos dias depois, Lucas precisou fazer a cirurgia e, assim, não respondia mais, sendo mantido vivo pelos aparelhos de respiração.
“O dia que tudo foi desligado foi 21 de julho. O que mais marca que mesmo em meio ao caos ele sempre fazia todos rirem. Acredito que ele foi único e o melhor amigo que a vida me deu”, disse, Julie.
Quando Lucas morreu, Julie estava no hospital, do lado de fora. Ela diz que Amandinha a chamou já meio que sabendo que não tinha mais jeito. “Era um nó gigante na garganta, saber que nunca mais veria meu melhor amigo. Mas como ele já estava lá há vários dias, sofrendo e eu entendendo que ele já foi muito forte todos esses anos, senti um alívio por ele, mas eu não sabia como seria, e naquele mesmo momento eu agendei psicóloga. Eu não ia conseguir passar por isso sozinha”, admitiu.
Ao ser questionada sobre como pretende agora preencher o espaço da ausência do amigo de todos os momentos, Julie foi assertiva. “Acredito que esse espaço não existe! Ele simplesmente não vai sair daqui, entendi que tudo o que vivemos com tanta intensidade, foi porque ele iria embora mais cedo. E eu sinto falta de quem eu era com ele. Dificilmente alguém vai assumir esse papel”, finalizou.
O corpo de Lucas foi cremado e suas cinzas jogadas no Lago do Amor, na Capital. Amigos fizeram a soltura de balões em homenagem à ele. Veja abaixo:
O CÂNCER
O Câncer é a principal causa de morte e uma barreira para aumento da expectativa de vida em todos os países do mundo.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) disse me 2019 que o câncer foi a primeira ou segunda causa de morte antes dos 70 anos em 112 dos 183 países e ocupa o terceiro ou quarto lugar em mais 23 países.
A Agência Internacional para Pesquisa em Câncer (IARC) publicou no inicio de fevereiro de 2020 um relatório com a estimativa de incidência e mortalidade por Câncer em todo mundo e as projeções para 2040.
A iniciativa intitulada GLOBOCAN recolhe os dados epidemiológicos dos países e publica as atualizações a cada 2 anos, enfatizando a distribuição epidemiológica da doença e a relação desses dados com o contexto socioeconômico da região e as estratégias de diagnóstico precoce e prevenção. Nessa iniciativa, 185 países estão envolvidos com o registro de 36 diferentes tipos de câncer.
Em 2020, dos dados mostram que aproximadamente 19 milhões de casos de câncer foram registrados em todo mundo, com 10 milhões de mortes. Mais de 60% dos casos de câncer se concentram nos 10 tipos mais frequentes, sendo responsáveis também por 70% de todas as mortes.
SE NA PRÓSTATA
O Doutor em Ciências/Doutorado em Urologia pela FMUSP, membro associado do American Cancer Society e Diretor do Serviço de Oncologia Clínica do Hospital BP Mirante de São Paulo, Fernando Maluf explica em vídeo (abaixo) o que é a próstata. Veja:
Em todo mundo, são estimados 28,4 milhões de novos casos de Câncer em 2040, um aumento de aproximadamente 47% em relação a 2020.
MS Notícias