Florianópolis recebe especialistas para discutir a necessidade de soluções urbanísticas sustentáveis para as cidades
21 de junho de 2024As cidades verdes são indicadas como recursos urgentes frente às mudanças climáticas e o aumento dos desastres que, em 2023, somaram 1.161 ocorrências nas cidades monitoradas pelo Governo
O país tem testemunhado uma das maiores catástrofes climáticas dos últimos anos no Rio Grande do Sul. A tragédia nas cidades gaúchas potencializa a realidade de que a frequência de catástrofes climáticas tem aumentado exponencialmente nos últimos anos. Esse será um dos assuntos discutidos durante a 50ª Convenção Nacional AsBEA, que será realizada entre 19 e 22 de junho em Florianópolis. O evento terá como tema ‘Raízes sustentáveis – Desenvolver cidades plurais com conexão local e visão global”. Uma das convidadas para debater o assunto é a professora doutora da Universidade de São Paulo (USP), Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Denise Helena Silva Duarte.
Dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais do Governo Federal (CEMADEN) confirmam que, no ano de 2023, o Brasil sofreu com 1.161 eventos climáticos nos 1.038 municípios monitorados. São ocorrências hidrológicas e geológicas causadas, em sua maioria, pelas mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global e também pela influência de fenômenos naturais, como La Niña e El Niño, conforme apontam especialistas.
A professora doutora da Universidade de São Paulo (USP), Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Denise Helena Silva Duarte, explica que a partir dessa ótica, surge para os governos e o segmento da arquitetura e urbanismo o desafio de promover, com urgência, soluções de planejamento urbano pelo viés da sustentabilidade, para diminuir os impactos de crises ambientais e melhorar a qualidade de vida das populações urbanas. Um dos conceitos já existentes e em efervescência é o das Cidades Verdes, assunto que será apresentado por Denise para uma centena de arquitetos e urbanistas na palestra “Adaptação de cidades e edifícios às mudanças climáticas”
Áreas urbanas e o sobreaquecimento das cidades
Denise estuda o papel microclimático da vegetação em áreas urbanizadas e sua atuação com o clima atual e o papel que a vegetação pode ter nas mudanças climáticas e em climas futuros, e entende que uma cidade verde é aquela onde a infraestrutura verde (vegetação) e azul (água) é integrada às redes essenciais de infraestrutura urbana: energia, água, esgoto, coleta de lixo e comunicações. A especialista acredita que as áreas urbanas precisam equilibrar com urgência o balanço de energia, método que analisa a interação entre as variáveis ambientais e a superfície e identifica efeitos decorrentes das atividades antrópicas, e tornar as cidades verdes é um dos caminhos possíveis. “À medida em que se substitui os elementos naturais por construções de concreto, há uma predominância de trocas de calor sensível, uma diminuição brutal de trocas de calor latente, o que é um dos fatores principais para o sobreaquecimento das cidades”, alerta.
Segundo a especialista, são vários os fenômenos de aquecimento urbano, além do mais conhecido da ilha de calor, que contribuem para o estresse térmico da população, mas que podem ser controladas pelo planejamento urbano. “Ao incorporar essa infraestrutura verde e azul de uma maneira mais sistêmica e melhor distribuída, conseguimos alcançar um certo equilíbrio, proporcionando trocas sensíveis e latentes, equacionando o balanço de energia dentro de uma área urbanizada”, explica. São diversos os benefícios desse planejamento verde para a população dos centros urbanos, como a valorização das paisagens urbanas, moderação da temperatura e melhoras para a saúde que vão da qualidade do sono à redução de casos de crises respiratórias, além da proteção de nascentes e mananciais, garantia de abrigo de fauna e incrementos no turismo local. “Essa rede de infraestrutura da Cidade Verde é mais necessária em alguns lugares do que outros, mas tem que estar presente no planejamento de toda cidade, condizente com o clima nativo, vegetação nativa, bioma, e com a disponibilidade de água do local”, aponta Denise.
Denise conta que no Brasil algumas cidades historicamente podem ser consideradas verdes, como Maringá, Porto Alegre e Curitiba, por possuírem índices de vegetação altos em relação às demais localidades do país. Além delas, algumas iniciativas estão em efervescência dando pequenos passos rumo à transformação verde das cidades brasileiras, como o programa “Goiânia + Verde” , da prefeitura do município. A ação oferece à população um serviço de plantio de mudas em frente às casas e estabelecimentos, com orientações referentes ao cuidado e manutenção da flora, e já plantou 9.400 árvores desde 2020. Em São Paulo, a ONG Formigas-de-embaúba comanda o projeto de plantio de mini florestas em pátios escolares. Até 2022, cerca de 10 mil árvores foram plantadas em escolas públicas de São Paulo, e a previsão para 2024 é expandir o programa com mais oito mini florestas.
Políticas públicas e capacitação profissional
Para caminhar para uma cidade verde, o primeiro passo deve ser o desenvolvimento de políticas públicas, além de iniciativas privadas que possam agir em prol do planejamento urbano mais verde, conforme explica a especialista. “A política pública é fundamental, atualmente temos muitas possibilidades de instrumentos urbanísticos que podem e devem estar presentes nos planos diretores, nas leis de zoneamento. Eu acho que o monitoramento constante desses instrumentos é fundamental e deve haver também maiores exigências para o espaço público e para o espaço privado relacionados com a infraestrutura verde e azul “, explica.
A especialista explica que diante da crise climática se faz necessária uma força tarefa entre muitos setores e segmentos profissionais, incluindo arquitetos e urbanistas, arquitetos paisagistas, além de botânicos e engenheiros, para pensar no processo de tornar as cidades verdes. “É fundamental que esse tópico seja tratado por eventos acadêmicos e da prática profissional, para disseminação da importância de tornar as cidades mais verdes, não apenas para a crise climática, mas também por questões de biodiversidade, de saúde física e mental, de bem-estar das pessoas, além de questões sociais que são afetadas positivamente pela vivência da população em cidades mais verdes”, complementa Denise.
O arquiteto Ronaldo Martins, presidente da AsBEA-SC, acredita que promover espaços como este que contemplem discussões sobre problemáticas ambientais, culturais e sociais entre profissionais da área da arquitetura é essencial. “Os profissionais da arquitetura e urbanismo desempenham um papel fundamental para propor projetos sustentáveis nas cidades, isso envolve planejamento urbano sustentável, design verde, promoção da mobilidade sustentável e engajamento comunitário”, explica. O arquiteto e urbanista responsável por presidir a regional catarinense da entidade que congrega escritórios de arquitetura, reforça que eventos como a Convenção Nacional AsBEA permitem a troca de conhecimento e estimulam a inovação. “É uma oportunidade importante para educar e conscientizar os profissionais sobre as melhores práticas”, considera.
Sobre a 50ª Convenção Nacional AsBEA
A Convenção, que traz como tema: ‘Raízes sustentáveis – Desenvolver cidades plurais com conexão local e visão global”, e contará com palestras de grandes nomes da arquitetura nacional e internacional que tratarão do assunto. Organizado pela regional catarinense da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (AsBEA), o evento nacional pretende reunir além dos arquitetos, toda a sociedade interessada na temática.
Sobre Denise Duarte
A especialista Denise Duarte é Professora Titular na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), e atualmente é Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. É Professora Visitante do Erasmus Joint Master´s Degree on Urban Climate and Sustainability – MUrCS (Erasmus+/EU). Desenvolve pesquisas em microclimas urbanos, conforto e eficiência energética em edifícios e cidades; nos últimos anos coordenou projetos interdisciplinares financiados pela FAPESP, CNPq e USP sobre adaptação de cidades e edifícios às mudanças climáticas, interagindo com políticas públicas. Integra os projetos ‘CONEXUS: CO-producing Nature-based solutions and restored Ecosystems: transdisciplinary neXus for Urban Sustainability (EU/H2020) e Biota Sintese (NPOP/FAPESP).
Roberto Kreitchmann