Para ser ouvido, seja tangível
20 de novembro de 2024A Pacificação do Conceito “Bioeconomia”e a Qualidade do Futuro
*Fernando Barros
*Drª Valdiva Rossato de Souza
A liberdade de expressão é um dos mais relevantes dos direitos da humanidade. Não pode ser, por óbvio, o um direito transferível para robôs. No primeiro caso, assessora o direito democrático de manifestação da opinião de todos os envolvidos no entendimento social, independentemente do tamanho do grupo e de sua representatividade. No segundo caso, via de regra, os algoritmos trabalham a serviço de um poder econômico, hoje com capacidade exponencial de influenciar comportamentos e agendas em escala universal. Nesta nova Era da Informação, desenvolver mecanismos que a separam a mentira da verdade passou a ser vital, A contabilidade do impacto social, econômico e ambiental nas decisões de gestão pública e privada define responsabilidades e acende um holofote sobre o que estamos ganhando, ou perdendo, com as decisões adotadas. No tempo presente, agora, já…
O alarme apocalíptico sobre o que vai acontecer em 2100 não tem movido as sociedades, não gera produção social de sentido, nem turbina os processos decisórios e políticos. Se não for tangível, a ficha não cai. No Brasil, a tragédia das enchentes registradas no começo de maio (2024) no estado do Rio Grande do Sul não serviu para acionar a tomada de providências para prevenir a crise programada das queimadas em setembro. Diante do incêndio generalizado do patrimônio natural, continuaram inertes os poderes públicos e a representação privada organizada de um País agro dependente, ou seja cujo futuro está umbilicalmente atrelado a qualidade da gestão da natureza. Esse quadro esquizofrênico produziu uma brincadeira tragicômica entre os jornalistas da grande mídia: “o Brasil está em Mad Max; Brasília está em Nárnia”.
Seria um grave equívoco aqui repetir o diagnóstico simplório que culpabiliza governos e agentes privados no contexto da disputa por espaços de poder. A questão não é brasileira. É planetária. É produto direto da falta de um canal direto entre Ciência e Cidadania, que possibilite traduzir complexidades compreensíveis para poucos em produção social de sentido. Ou, o que tudo isto tem a ver com o cotidiano, com a vida das pessoas.
O fato é que, num mundo polarizado, os mais relevantes cenários de alerta acabam convertidos em munição para o debate “preto ou branco: das Redes Sociais.
Em Palo Alto, o empresário da área de tecnologia Patick Collinson e o economista Tyler Cohen iniciaram um movimento em favor da criação de uma disciplina voltada para traduzir complexidades científicas em valores civilizatório compreensíveis pela cidadania leiga.
No Brasil, só 8% da população produz ou compreendem dados complexos. Mesmo o mais tenebroso fim do mundo não mobilizará os 92% restantes se o alerta vier em linguagem técnica e científica.
A produção da melhor verdade passou a ser um exercício muito caro, complicado e por muitas vezes doloroso para quem o pratica. Num momento em que a degradação do grau de influência da Ciência sobre as sociedades é patente, contribuir para valorizar e preservar o método científico é crítico para os que preferem o debate social orientado por fatos, e não por crenças.
Por isso tão importante valorizar o método, quase nunca incensado, exibido ou debatido pela ótica de sua beleza ímpar: o pesquisador traz uma hipótese que pode ser vir a ser confirmada em tese. Esta, porém, no momento imediatamente seguinte estará sujeita à revisão coletiva e permanente dos pares. É um moto continuo de validação e aprimoramento do conhecimento.
Na leitura do filósofo Zigmunt Baumann, o marco a partir do qual o método passou a guiar a evolução da trajetória civilizatória humana foi a tragédia de Lisboa, em 1755 – terremoto, incêndio e tsunami, tudo ao mesmo tempo. Ali o Divino foi substituído pela Ciência.
E por que a tragédia climática ainda não se transformou num “turning point”, no elemento central de uma repactuação de ajustes planetários? Não parece óbvio que é a existência que está em jogo? Por que permitimos a crença e o divino retornarem às instancias do poder 3 Séculos depois?
A realidade cognitiva explica isso, pelo menos em parte…
O fenômeno climático é global e sistêmico. Quando uma das suas manifestações extremas atinge um ponto específico do território não invoca necessariamente na percepção leiga a necessidade de respostas globais e supranacionais. Muitas vezes, nem o que acontece no município vizinho: no celular, as imagens viram produto de consumo efêmero.
Por isto é indispensável produzir indicadores confiáveis perante a opinião pública e defender a integridade de um conceito tão valioso quanto o da bioeconomia.
É preciso fazer conta, recorrer à contabilidade, para considerar os impactos socioambientais internos e externos (externalidades) às atividades econômicas.
Hoje, não raro, agentes econômicos se movimentam contra Soluções Baseadas na Natureza sem perceber que minam a própria sobrevivência e competitividade.
Em função de uma estrutura econômica em processo evolutivo constante, surgem novos empreendimentos concorrentes a cada dia, fazendo com que os já existentes sejam levados a aprimorarem seus processos produtivos e tecnológicos e, também, passa a existir um gradual aumento da exploração de recursos naturais.
Esta visão de desenvolvimento, com vistas apenas às estruturas patrimoniais internas e a otimização de seus resultados, deixa de contemplar fatores externos, tais como, desenvolvimento social da comunidade como um todo, e o nível de utilização de recursos ambientais realizado pelo desenvolvimento das atividades econômicas.
Para que haja o aprimoramento dos processos produtivos empresariais, com vistas ao desenvolvimento econômico, faz-se necessário que sejam aperfeiçoadas também as condições sociais de empregabilidade, com geração de emprego e renda às pessoas envolvidas, bem como, a minimização de impactos ambientais ocasionados ao meio ambiente pelo desenvolvimento das atividades empresariais.
Bioeconomia, a porta de saída. Urge Preservar um Conceito Extraordinário
A Bioeconomia (o setor agroindustrial) movimentou US$13,5 trilhões em 2023. A agregação de valor (indústria e serviços) a partir da base biológica (produtos agrícolas) injeta na antecipação do cenário das próximas décadas um otimismo raro no ambiente de crises as mais diversas que vivenciamos.
Em 2017, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), promoveu um “Summit” global para debater um conceito. E definiu a “Bioeconoma”: https://openknowledge.fao.org/server/api/core/bitstreams/d8f82717-d3f1-495c-a788-863f7512fa89/content
Nessa acepção, trata-se do espaço econômico, social e ambiental onde interagem as atividades exercidas a partir dos insumos de base biológica. É o espaço onde evoluem as propostas de desenvolvimento sustentável conceituadas pela governança ESG.
Mas, em mega velocidade, as palavras podem perder o significado antes de existirem plenamente no dia a dia do falar das pessoas.
No debate em Rede o conceito bioeconomia vem sendo tragado pela customização ideológica. Ora, é interpretado como uma nova versão para o extrativismo, que exclui sistemas produtivos baseados em organização das cadeias. Ora, como uma nova embalagem para continuarmos produzindo alimentos e energia sem os ajustes obrigatórios.
É preciso avançar na conceituação. Por esta razão, o Fórum do Futuro abre seus debates nacionais e globais com a atualização e resgate de duas contribuições que ajudaram a definir o trajeto do desenvolvimento mundial nas últimas décadas: as de Gro Harlem Brundtland e de Alysson Paolinelli.
A Primeira-Ministra da Noruega era chefe da comissão de meio ambiente da ONU, quando, em 1987, lançou o conceito de desenvolvimento sustentável, através do documento “O Nosso Futuro Comum”. Nele, argumentava que os pilares “Social” e “Ambiental” da trilogia só seriam alcançáveis se as proposições viessem apoiadas em viabilidade econômica.
Fica mais claro entender o propósito ao olharmos para a Amazônia, que muitos preferem intocada (quando existem Ciência e tecnologias sustentáveis para o seu uso sustentado) diante dos 28 milhões de expectadores que habitam a região, hoje recordista de miséria e fome no Brasil.
Paolinelli acrescenta ao diálogo a visão segundo a qual promover a inclusão social, tecnológica e digital das dezenas de milhões de produtores rurais tropicais é uma oportunidade que a História oferece para enfrentar o desafio climático e ao mesmo tempo conter os movimentos migratórios.
Em suma, urge acrescentar as “Pessoas” ao conceito. É como pretende o Banco Mundial, cujo foco principal é a geração de empregos dignos. Sem organização das cadeias produtivas em busca da eficiência e da sustentabilidade, a receita daqueles dos luminares da História desanda.
Bioeconomia em sistemas agroindustriais
As informações de processos em Bioeconomia precisam ser integralizadas ao contexto Econômico, Ambiental, Social e de Governança (EASG) das entidades, sejam elas da iniciativa privada, entes públicos ou do terceiro setor da economia – todos de fato regidos pela viabilidade econômica. Portanto, a sustentabilidade ambiental das atividades e a dignidade social dos envolvidos não compõem a visão tripartite da institucionalização da visão e dos protocolos.
Neste sentido, a sociedade deve se preocupar em fomentar a produção de novos modelos econômicos que possibilitem a exploração de recursos naturais de maneira sustentável, contribuindo assertivamente para a descarbonização. Onde é possível: gerar valor agregado aos produtos, criar empregos e contribuir para metas ambientais por meio de atividades de baixo impacto, através de minimização da extração de recursos naturais não renováveis.
De acordo com a definição adotada pela Cúpula Global de Bioeconomia de 2020, o termo bioeconomia refere-se “a produção, utilização, conservação e regeneração dos recursos biológicos, incluindo os conhecimentos relacionados, a ciência, a tecnologia e a inovação, para fornecer soluções sustentáveis (informações, produtos, processos e serviços) em todos os setores econômicos e facilitar uma transformação para uma economia sustentável”.
Porém, o que se observa nos últimos anos é que o conceito de bioeconomia está evoluindo para práticas sustentáveis em Sistemas Agroindustriais, com foco no sequestro de carbono e na utilização de biomassa renovável. Neste sentido, a bioeconomia pode ser um elemento catalizador na abordagem da crise climática. Este modelo visa fornecer soluções sustentáveis para diversos setores econômicos, facilitando a transição para uma economia mais verde e eficiente.
Uma das maiores preocupações, em nível mundial, em prol da sustentabilidade do planeta, caracteriza-se pela iniciativa em buscar reduções nas emissões de gases nocivos existentes na atmosfera.
Desta forma, para a implementação do conceito de bioeconomia deve-se ter em mente que a ciência, a tecnologia e a inovação (a exemplo dos sensores remotos e plataformas automatizadas), passam a desempenhar papéis cruciais no apoio ao incremento de informações precisas, em tempo quase real, de estimativas de Emissões e Sequestros de Gases do Efeito Estufa (GEE’s) na atmosfera. Passa pela produção, utilização, conservação e regeneração de recursos biológicos (Economia Circular) a serem adotados nos processos produtivos agroindustriais.
O monitoramento contínuo e a adaptação de estratégias também são necessários para garantir um futuro mais sustentável, seja especificamente para a Amazônia, seja a nível global.
Neste contexto, a bioeconomia deve ser vista como uma oportunidade de repactuação global, onde sustentabilidade econômica, social e ambiental caminham juntas. O que está em jogo é a sobrevivência do planeta e das gerações futuras.
Em suma, a bioeconomia não só impulsiona o desenvolvimento sustentável, como também promove a preservação do meio ambiente e a dignidade social de todos os envolvidos. Sua implementação bem-sucedida depende da união entre ciência, tecnologia e governança, sempre com o objetivo de criar um futuro mais sustentável e justo.
O conceito de bioeconomia é uma porta de saída para os desafios globais contemporâneos. O desenvolvimento sustentável depende da capacidade de combinar a ciência e a prática de maneira tangível, que ressoe com o cotidiano das pessoas. No Brasil e no mundo, essa transformação pode ser o fator decisivo para garantir a prosperidade das futuras gerações e a preservação do planeta.
*Fernando Barros – Jornalista, especializado em Comunicação Estratégica”; Diretor Executivo do Instituto Fórum do Futuro
*Drª Valdiva Rossato de Souza. Unemat – Universidade do Estado de Mato Grosso, Departamento de Ciências Contábeis. Sinop – MT. valdiva.rossato@unemat.br