Educação profissional, juventude e desenvolvimento sustentável
20 de novembro de 2024Fernanda Aparecida Yamamoto e Márcia Azevedo Coelho*
A educação é vista como a chave para o desenvolvimento socioeconômico e ambiental sustentável de uma nação. No contexto brasileiro, a preparação das juventudes para o mundo do trabalho, a expansão de matrículas em cursos técnicos e a conexão efetiva entre escola e setor produtivo são componentes essenciais para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), em especial o ODS 4: Educação de Qualidade. Mas quais são os desafios relacionados à educação que vêm impactando o desenvolvimento socioeconômico e ambiental no país?
Quando se relaciona educação e juventude no Brasil, um dos desafios mais significativos é a inserção dos jovens no mundo do trabalho. Muitos estudantes concluem o ensino médio sem formação consistente e com poucas oportunidades para atender às demandas cada vez mais complexas dos setores produtivos.
Segundo o IBGE, a média de desocupação da população jovem, de 18 a 24 anos, no Brasil, atingiu em 2022 o percentual de 19,3%, dez pontos percentuais a mais que o da população geral, que foi de 9,3% no mesmo período. Na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada em 2023, 19,8% dos jovens com 15 a 29 anos de idade, não estavam ocupados nem estudando; dentre esses, 14,2% são homens e 25,6% mulheres (IBGE,2024).
É certo que o abandono e a evasão escolar são motivados por razões diversas, que vão desde gravidez na adolescência, passando por necessidades imediatas de geração de renda, mas a falta de associação entre o que se aprende e os interesses e necessidades imediatas dos jovens é um fator importante e sobre o qual muito se discute, mas que ainda carece de efetividade. (OEIU, 2020)
Outro estudo, intitulado O futuro do mundo do trabalho para as juventudes brasileiras, ao analisar as barreiras enfrentadas pelos jovens na inserção social, recomenda que o acesso e a qualidade na formação profissional, com educação profissional e tecnológica (EPT) e iniciativas de aprendizagem baseada no trabalho (ABT) seja intensificado, assim como a incorporação do mundo do trabalho com ações na escola por meio de articulações que envolvam o Estado, empresas e a sociedade civil, a fim de facilitar o acesso dos jovens a posições iniciais no mercado de trabalho e melhorar a conexão entre oferta e demanda. (IET, 2023)
A integração de cursos técnicos ao ensino médio é uma estratégia privilegiada para contribuir com essa formação mais qualificada. Isso porque a formação técnica e profissional proporciona aos estudantes o desenvolvimento de competências em diversas áreas, preparando estudantes para as complexidades dos setores produtivos, já bastante tecnológicos.
Nesse sentido, a expansão de matrículas em cursos técnicos integrados ao ensino médio é importante para preparar esses jovens, já que é uma das últimas políticas públicas acessadas por eles. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) mostram que o número de matrículas em educação profissional ainda é baixo comparado ao ensino médio regular. Investir na expansão desses cursos pode aumentar a empregabilidade dos jovens e contribuir para o desenvolvimento econômico do país.
A conexão entre escolas e o setor produtivo é um elemento fundamental para assegurar que a educação técnica seja relevante e eficaz. Atualmente, muitas escolas técnicas operam sem uma ligação direta com as necessidades do mercado de trabalho, resultando em um descompasso entre a formação oferecida e as demandas do setor produtivo que cada vez mais acena para a necessidade de profissionais qualificados em áreas tecnológicas e inovadoras, como tecnologia da informação, engenharia e gestão ambiental.
A pesquisa “Habilidades para Trabalhos” (“Skills for Jobs”) (OCDE, s.d.) identificou que no Brasil habilidades criativas e tecnológicas apresentam-se com crescimento abaixo da média esperada no contexto das economias globais emergentes em razão – segundo a análise – de investimentos econômicos insuficientes em inovação, tecnologia e diversidade cultural, “elementos que influenciam diretamente a qualificação de profissionais e a demanda por vagas envolvendo habilidades tecnológicas e criativas.” (IET, p. 89).
Mas, e a sustentabilidade? A sustentabilidade configura-se como um componente essencial na promoção da tecnologia cidadã, exigindo que o desenvolvimento e a aplicação de tecnologias considerem os impactos ambientais, sociais e econômicos, assegurando que as inovações tecnológicas não apenas atendam às necessidades imediatas de um setor ou mesmo da sociedade, mas também preservem os recursos naturais para as futuras gerações.
Nesse aspecto, não demos sequer o primeiro passo, garantindo a acessibilidade para todos. Até 2022, 33,9 milhões de brasileiros estavam desconectados e 41,8 milhões subconectados (PWC, 2022). Acrescido a isso, soma-se o segundo desafio social, intelectual, científico e econômico: a utilização das tecnologias disponíveis de um ponto de vista cidadão, integrando desde a formação inicial e, no caso específico da educação, a perspectiva de uso e desenvolvimento de tecnologias de maneira que beneficie a sociedade como um todo, atendendo às necessidades públicas de forma transparente, acessível, inclusiva e sustentável e de maneira transversal em todos os currículos escolares.
Para tanto, é necessário a um só passo vontade política e objetividade pedagógica a fim de possibilitar aos estudantes acesso e a compreensão das interações complexas exigidas pela sociedade tecnológica em que vivemos.
O segundo desafio é ainda maior porque se encontra não somente na esfera de geração de conhecimento, mas também por compreensões no âmbito das percepções, especificamente relativas à cultura e, portanto, em questões etnoculturais. Nesse sentido, a proposta é que a abordagem da tecnologia seja incorporada na formação inicial dos jovens, não de modo instrumental, mas integrada à cultura que opera, por meio de um letramento que possibilite a competência no manejo e a capacidade de análise crítica, sabendo que nenhum recurso tecnológico é imparcial, sem origens e/ou objetivos. Por isso é importante que seja compreendida dentro de um ecossistema de interações.
Por mais urbana que uma população possa se configurar, ela não estará fora da natureza. Assim, a percepção de ecossistemas deve ser um método para agirmos de modo integrado e integrante entre humanos e humanos, humanos e não humanos, humanos e máquinas, ciência e cultura, por meio de uma cosmovisão que rompa a dimensão fragmentária que já não responde às complexidades do mundo social e econômico.
Ter uma estratégia comum para gestões integradas fundamentalmente relacionadas à formação da pessoa – proporcionando a compreensão dos fenômenos, aliada ao acesso tecnológico e à capacidade de resolver problemas do mundo contemporâneo, no âmbito da educação formal – exige inicialmente a contextualização de currículos com as demandas de um desenvolvimento tecnológico e sustentável na perspectiva da agenda 2030, tratando de questões ambientais socioculturais políticas, econômicas e científicas de forma integrada e possibilitando a construção de consciência crítica e listas de urgência para a sociedade, no caso, a brasileira.
No entanto, sabemos que a formação escolar que hoje se oferece muitas vezes não atende a essas necessidades de maneira adequada. Há uma falta de diálogo entre empresas e instituições de ensino, o que impede a adaptação dos currículos escolares às realidades contemporâneas.
Para melhorar essa situação, é necessário implementar parcerias estratégicas entre empresas e instituições de ensino. Programas de estágio, cursos desenvolvidos em colaboração com o setor produtivo e visitas técnicas são algumas das maneiras de criar uma sinergia entre a educação e o mercado de trabalho. Além disso, a adoção de tecnologias educacionais modernas e a promoção de metodologias ativas de ensino podem tornar a aprendizagem mais dinâmica e alinhada com as exigências profissionais atuais.
O ODS 4 visa assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, além de promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. A expansão de cursos técnicos integrados ao ensino médio e a conexão eficaz entre escolas e o setor produtivo estão diretamente alinhadas com este objetivo. Essas iniciativas não apenas aumentam a empregabilidade dos jovens, mas também contribuem para a redução das desigualdades sociais e econômicas.
A formação técnica de qualidade pode ter impactos significativos tanto socioeconômicos quanto ambientais. Ao formar profissionais capacitados, o país pode avançar em áreas como energia renovável, gestão de resíduos e desenvolvimento sustentável, contribuindo para a proteção do meio ambiente. Além disso, a redução do desemprego e a inserção profissional qualificada têm efeitos positivos na economia, gerando crescimento e estabilidade social.
Potenciais de Sinop – o desenvolvimento socioeconômico e sustentável
Desde a década de 1970, com o incentivo governamental para a ocupação migratória na região, as escolas em Sinop foram um fator determinante para a permanência das famílias que chegavam à nova cidade. (Tomé, 2017)
Por meio de relatos apresentados na pesquisa de Tomé, é possível perceber a consciência de parte dos moradores sobre a importância que a educação teria como instrumento de desenvolvimento socioeconômico e de “progresso”, visto apresentarem discursos ainda muito em consonância com os fundamentos do projeto de ocupação do território do governo militar na década de 1970.
Hoje, ainda que haja diferentes tipos de ofertas educacionais na cidade, o número de escolas de educação técnica profissional não perfaz sequer a metade das instituições, sendo apenas duas de natureza pública gratuita (ETEC e IFMT-Sinop), sinalizando a necessidade de investimentos nessa formação com vistas a consolidar Sinop como um polo educacional e impulsionando o desenvolvimento da região.
A ampliação e aprofundamento de parcerias entre os setores e escolas como a ETEC e o Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT), de Sinop, que já oferece uma ampla gama de cursos de qualificação profissional “abrangendo comunidades e grupos minoritários, como mulheres em situação de vulnerabilidade social, populações indígenas, quilombolas e imigrantes, em diversas cidades de Mato Grosso” (IFMT, 2024), parece ser um dos caminhos para diminuir desigualdades e promover formação de qualidade.
Não restam dúvidas do potencial da região para ser um celeiro de desenvolvimento e inovação em projetos sustentáveis. Para tanto, as parcerias entre os diversos setores são essenciais. A gestão desses projetos deve ir além de iniciativas isoladas, integrando demandas e ofertas de maneira articulada no contexto macrossocial. Esse parece ser o caminho para a utopia possível: uma educação que, simultaneamente, promova desenvolvimento, inovação, inclusão e equidade.
Sabemos que a educação é um meio poderoso para transformar a sociedade e promover um desenvolvimento sustentável. A integração de cursos técnicos ao ensino médio e a criação de uma conexão efetiva entre o setor produtivo e as escolas são passos fundamentais para preparar grande parte da juventude brasileira para os desafios do futuro. Alinhando essas iniciativas ao ODS 4, o Brasil pode avançar rumo a uma utopia possível, uma sociedade em que a educação de qualidade abre portas para oportunidades, equidade e sustentabilidade.
Referências
IBGE. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/38542-um-em-cada-cinco-brasileiros-com-15-a-29-anos-nao-estudava-e-nem-estava-ocupado-em-2022>. 27 jul.2024.
IBGE. Disponível em: .https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/39531-uma-em-cada-quatro-mulheres-de-15-a-29-anos-nao-estudava-e-nem-estava-ocupada-em-2023>. 27 jul 2024.
IET – ITAÚ EDUCAÇÃO E TRABALHO (Org.). O Futuro do mundo do trabalho para as juventudes brasileiras. São Paulo: Itaú Educação e Trabalho, 2023. 208 p. Disponível em:https://www.fundacaotelefonicavivo.org.br/wp-content/uploads/pdfs/o_futuro_do_mundo_do_trabalho_pesquisa.pdf>. Acesso em 20 mai.2024.
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Relatório do 4° ciclo de monitoramento das metas do Plano Nacional de Educação. 2022. Disponível em: http://download. inep.gov.br/publicacoes/institucionais/plano_nacional_de_educacao/relatorio_do_quarto_ciclo_de_monitoramento_das_metas_do_plano_nacional_de_educacao. pdf. Acesso em 19 jul. 2024.
OEIU- Disponível em: https://observatoriodeeducacao.institutounibanco.org.br/em-debate/abandono-evasao-escolar/?utm_source=google&utm_medium=cpc&utm_campaign=evasao_escolar_ad_new&utm_source=google&utm_medium=cpc&utm_campaign=21175564513&utm_content=158722563257&utm_term=causas%20do%20abandono%20escolar&gad_source=1&gclid=Cj0KCQjwtZK1BhDuARIsAAy2Vzvl1hJUvzUME3JT15G1uF2E26ZZZc-NeT5ATJVg43LYWxWG0kowKfcaAi4XEALw_wcB> Acesso em 27 jul. 2024.
Organização para a Cooperaçãi e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Skills for jobs. s.d. Disponível em: https://www.oecdskillsforjobsdatabase.org/imbalances.php#FR/_/_/_/[%22skills%22%2C%22knowledge%22%2C%22abilities%22]/co. Acesso em 12 jul. 2024.
PWC. O Abismo Digital no Brasil. Disponível em: https://www.pwc.com.br/pt/estudos/preocupacoes-ceos/mais-temas/2022/o-abismo-digital-no-brasil.html>. Acesso em 04 mai. 2024.
TOMÉ, C. L.; ROHDEN, J. B. O Discurso do Progresso e a Educação na história de Sinop – Matro Grosso: “Como é bom alargar as fronteiras de nossa Pátria!” -1. História da Educação, v. 21, n. 52, p. 312–334, maio 2017.
*Fernanda Aparecida Yamamoto é Pesquisadora no no Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP).
*Márcia Azevedo Coelho é Pós-doutora em Percepção Pública da Ciência. Diretora Pedagógica na Educação Básica. Pesquisadora no Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP) e Co-fundadora da CognitivIA.
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